Queridos amigos leitores,
gostaria de partilhar convosco reflexões de dois eventos a que fui nos últimos
tempos.
O mais recente foi o visionamento
do filme “Quem se importa”, em Carnide, organizado pela Wakeseed e pela DressFor Sucess. O filme, produzido no Brasil, tem ganho vários prémios pelo mundo
fora, e inspirado centenas de pessoas (quiçá milhares) a saírem da apatia e da
ignorância, para se tornarem empreendedores sociais. Como é dito no
documentário, não importa se o trabalho que se vai fazer é em prol de quatro ou
mil pessoas, o que importa é o que está por trás: querer fazer algo para
melhorar o mundo. Nalguns casos, pequenas iniciativas tomam uma proporção
enorme. Os Palhaços da Alegria (em Portugal conhecidos como a Missão Sorriso)
levam momentos de boa disposição às crianças internadas nos hospitais; o Circo
da Saúde ensina hábitos de saúde, de forma didática, às populações do interior
brasileiro; outros dedicam-se a combater a exclusão digital, ensinando miúdos e
graúdos a trabalharem com computadores; no Canadá há um projeto tão simples
quanto levar bebés às escolas para que nas crianças nasça a empatia e a vontade
de cuidar do outro; na Nigéria um empreendedor social lembrou-se de construir
casas-de-banho públicas e colocar mulheres e pessoas socialmente mais
vulneráveis a cuidar da sua limpeza e manutenção, em que estas ganham 60% das
receitas da sua utilização. O interessante é verificar como é que estas
pequenas ações podem mudar o rumo de um punhado de seres humanos! Coisas tão
simples! Há histórias de fazer chorar as pedrinhas da calçada!
A máxima dos empreendedores sociais
é “ser parte da solução e não do problema”. Numa altura em que somos
bombardeados com notícias que tentam escurecer os nossos dias e ensombrar o
futuro da humanidade, há estes raios de sol que fazem acreditar que tudo é
possível porque está em nós o poder de co-criar a nossa realidade. Não é fácil
sobreviver nos “bons modos” e ser-se íntegro numa sociedade desintegradora: quem
deveria dar o exemplo não o dá, é mais fácil deixar andar do que se fazer algo
que dá trabalho, as conversas seja com quem for tendem a ser críticas,
pessimistas e depressivas, os meios de comunicação social vivem das notícias
menos positivas, ufa!, é preciso ser-se corajoso e ter-se uma dose de loucura
para sermos firmes nos nossos ideais ante as aparências!
Muito mais há a dizer sobre este
filme, mas como aquilo que eu vi o interpretei segundo as minhas crenças e
valores, não há nada como cada um ver e tirar as suas ideias-chave. Uma coisa
eu tenho a certeza: é impossível ficar-se indiferente ao filme. J
Compartilho uma história que um
dos heróis do documentário relata:
“Um economista vê um indígena a pescar com uma cana. Ao ver que só
levava dali a quantidade suficiente de peixe para a sua família, para aquele
dia, diz-lhe:
- Devias usar uma rede de pesca.
- Para quê? – questionou-o o aborígene.
- Para pescares mais peixe.
- Para quê?
- Para ti, para a tua família e para venderes o resto.
- Para quê?
- Para com esse dinheiro contratares mais homens para pescarem mais
peixe, com as redes de pesca.
- Para quê?
- Para fazeres mais dinheiro e depois não teres que trabalhar.
- Para quê? – voltou a questionar o índio que não estava a perceber
onde é que ele queria chegar com a conversa.
- Olha, para teres mais tempo livre e, por exemplo, ires pescar.”
Esta história vem de encontro a
outras reflexões do I Fórum de Democracia Económica, organizado pelo PROUTugal.
Fiquei surpreendida com os números revelados neste encontro: 97% do dinheiro é
virtual, ou seja, não existe fisicamente, e apenas cerca de 8% do dinheiro nos
bancos, em Portugal, é para financiamento de empresas! O resto está investido
em especulações e jogos financeiros. Isto quer dizer que a riqueza não está a
ser distribuída equitativamente e, por isso, os ricos estão cada vez mais ricos
e os pobres mais pobres: há concentração de riqueza, o que implica exploração
humana, e bloqueio da circulação de dinheiro. A solução? Uma democracia
económica em vez de uma democracia política. Qual a diferença? Na política há
uma aparente ideia de poder, porque todos votam, quando na verdade o poder está
nas mãos de quem tem mais dinheiro, ou seja, uma minoria onde reina a ganância;
já na democracia económica, todos têm o poder de decisão dos recursos
económicos e a ideia de maximização financeira dá lugar ao ideal de maximização
do bem-estar, onde o dinheiro é apenas uma forma de atingir esse fim. E como
poderemos nós, no nosso dia-a-dia, contribuir para essa mudança? Por exemplo,
através de aquisição de bens a pequenas empresas locais e a cooperativas. Aqui
entra não só o comércio tradicional, como as feiras, a compra de produtos a
amigos e conhecidos, e até as trocas. Ao comprar algo em multinacionais, só uma
pequena percentagem fica na comunidade, por exemplo, com o pagamento de
salários, enquanto que aproximadamente 90% do dinheiro entregue numa compra numa
pequena empresa local fica no local da sua aquisição. Só para exemplificar a
situação, dou um caso relatado no “Quem se importa”: numa favela em que os
moradores pensavam que viviam num bairro pobre e em que não iria haver dinheiro
para pagar as rendas, decidiram escrever as fontes de rendimentos que tinham e,
por cada recurso financeiro, deitavam uma bola de papel num caixote… o caixote
ficou cheio! Eles perceberam que entrava muito dinheiro no bairro com as
reformas dos mais velhos, os salários dos trabalhadores, os subsídios, etc.,
mas esse dinheiro saía porque praticamente tudo era comprado fora do bairro.
Então, criaram uma moeda local – os palmas – que só podia ser usada nas lojas
do bairro. Além de terem sido criadas mais micro-empresas para responderem às
necessidades locais, a população de uma forma geral passou a ter mais riqueza e
bem-estar.
Eu sei que não é fácil nos dias
de hoje adquirir tudo o que precisamos nas imediações da nossa zona
habitacional, assim como é hábito recorrente ir-se a um hipermercado ou a um
centro comercial. A mudança far-se-á aos poucos com a mudança de hábitos de
consumo… grão a grão. Compras em feiras, mercados, lojas de comércio
tradicional, aquisição de artigos em 2ª mão e artesanato local, são pequenos
gestos que contribuem para a justa distribuição de riqueza. Vamos fazer a
diferença com o nosso estilo de vida? J
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